A urgência por mudanças que o papa Francisco enxerga na igreja que dirige ficou estampada em sua primeira Exortação Apostólica publicada nesta terça-feira, 26 de novembro.
O documento “Evangelii Gaudium
do Santo Padre Francisco aos Bispos, Presbíteros, Diáconos, às Pessoas
Consagradas e aos Fiéis Laicos sobre o Anúncio do Evangelho no Mundo
Atual” contém 200 páginas escritas de próprio punho pelo papa.
“Desejo
dirigir-me aos fieis cristãos para convidá-los a uma nova etapa de
evangelização marcada por esta alegria e indicar direções para o caminho
da Igreja nos próximos anos”, introduziu o papa no texto que propõe a
maior reforma da Igreja Católica em pelo menos meio século.
A intenção, segundo Francisco, é levar a
Igreja Católica a “recuperar o frescor original do Evangelho” usando
“novas formas” e “métodos criativos”. De acordo com o pontífice, o
catolicismo deve mudar: “Precisamos de uma conversão pastoral e
missionária, que não pode deixar as coisas como elas são”, disse, antes
de deixar claro que pretende “reformar as estruturas eclesiais” para que
“todas se tornem mais missionárias”.
A característica do Vaticano também
deverá sofrer alterações e passar por uma “saudável descentralização”, a
fim de tornar a Igreja Católica mais dinâmica.
O papa surpreendeu ao sugerir que os
clérigos da Igreja Católica entendam que sua confissão de fé não é a
única forma de praticar o Evangelho: “O cristianismo não dispõe de um
único modelo cultural e o rosto da Igreja é multiforme”, observou. “Não
podemos esperar que todos os povos, para expressar a fé cristã, tenham
de imitar as modalidades adotadas pelos povos europeus num determinado
momento da história”, disse o papa, sutilmente, antes de acrescentar que
os teólogos precisam ter em mente “a finalidade evangelizadora da
Igreja”.
Sua posição de liderança também deve ser
revista, a fim de realizar a “conversão do papado para que seja mais
fiel ao significado que Jesus Cristo quis dar-lhe e às necessidades
atuais da evangelização”.
Os dogmas do catolicismo também foram
alvo de reflexões do papa Francisco: “Nesta renovação não se deve ter
medo de rever costumes da Igreja não diretamente ligados ao núcleo do
Evangelho, alguns dos mais profundamente enraizados ao longo da
história”, escreveu.
Com a preocupação de frisar sua intenção
de ver a Igreja Católica mudando de postura, Francisco disse preferir
“uma igreja ferida e suja por ter saído às estradas, em vez de uma
igreja preocupada em ser o centro e que acaba prisioneira num emaranhado
de obsessões e procedimentos”. De acordo com o jornal O Estado de S.
Paulo, o papa foi objetivo: “Precisamos de igrejas com as portas
abertas” para que os fiéis que buscam a Deus não encontrem “a frieza de
uma porta fechada”.
“Nem mesmo as portas dos
Sacramentos se deveriam fechar por qualquer motivo”, pontuou, antes de
criticar severamente a postura adotada por muitos sacerdotes católicos a
respeito da inclusão: “A Eucaristia não é um prêmio para os perfeitos,
mas um generoso remédio e um alimento para os fracos”.
As críticas também se estenderam às
disputas por poder nas hierarquias da Igreja, que levam, segundo
Francisco, os sacerdotes à ceder às “tentações”, o que sempre resulta
numa perda de sentido da fé: “A maior ameaça é o pragmatismo incolor da
vida cotidiana da Igreja, quando na realidade a fé vai se desgastando”.
Mulheres
Desde a Jornada Mundial da Juventude, o
papa Francisco vem falando sobre a importância de abrir espaços para as
mulheres trabalharem na Igreja Católica de forma mais abrangente.
No documento desta terça-feira, o
pontífice foi mais direto em sua posição sobre o assunto, embora não
tenha definido quais seriam as funções destinadas às mulheres.
“Ainda há necessidade de se ampliar o
espaço para uma presença feminina mais incisiva na Igreja, nos
diferentes lugares onde são tomadas decisões importantes”, pediu. “As
reivindicações dos direitos legítimos das mulheres não se podem
sobrevoar superficialmente”, acrescentou.
Aborto
A postura cristã a respeito do aborto é
de lutar contra a prática, independentemente da confissão de fé. E o
papa Francisco sugeriu que se existem pessoas esperando uma mudança
nessa questão, estão enganados.
“Entre os fracos que a Igreja quer
cuidar estão as crianças em gestação, que são as mais indefesas e
inocentes de todos, às quais hoje se quer negar a dignidade humana”,
lamentou o papa. “Não se deve esperar que a Igreja mude a sua posição
sobre essa questão. Não é progressista fingir resolver os problemas
eliminando uma vida humana”, definiu.
Economia
“O atual sistema econômico é injusto
pela raiz”, disse o papa, mostrando preocupação: “Esta economia mata
porque prevalece a lei do mais forte”.
Lamentando a forma como o capitalismo
atual leva os mais pobres a continuarem em condições indignas, o papa
observou que “os excluídos não são explorados, mas lixo, sobras”
descartadas pelo sistema, a quem atacou firmemente: “Vivemos uma nova
tirania invisível, por vezes virtual de um mercado divinizado onde
reinam a especulação financeira, corrupção ramificada, evasão fiscal
egoísta”.
Essas características estariam, na visão
do papa, prejudicando a família, uma das instituições às quais o
cristianismo visa preservar: “O individualismo pós-moderno e globalizado
promove um estilo de vida que perverte os vínculos familiares”.
Contra isso, o papa apelou para que os
cristãos não tenham medo de se envolver nos debates sobre políticas em
geral, e que se empenhem em influenciar os grupos que tomam decisões a
fim de garantir maior justiça social.
O pontífice foi bastante objetivo ao
escrever que as lideranças eclesiásticas possuem “o direito de emitir
opiniões sobre tudo o que se relaciona com a vida das pessoas” e que
“ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião à secreta
intimidade dos fiéis”, e constatou: “Até que não se resolvam
radicalmente os problemas dos pobres, não se resolverão os problemas do
mundo”.
Intolerância religiosa
Francisco propõe um diálogo com o islamismo para que a matança de cristãos nos países de maioria muçulmana tenha um fim.
O papa disse fazer esse apelo
“humildemente” aos países muçulmanos para que garantam a liberdade
religiosa para cristãos que vivem em suas fronteiras, levando em
consideração “a liberdade de que gozam os crentes do Islã nos países
ocidentais”.
“Uma adequada interpretação do Corão
se opõe a toda a violência”, escreveu o papa, que finalizou resumindo a
intenção de sua revolucionária Exortação Apostólica: “Se eu conseguir
ajudar pelo menos uma única pessoa a viver melhor, isto já é suficiente
para justificar o dom da minha vida”.
Fonte: Gospel Mais
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